2cabeças: “É um momento de bolha e muita gente vai quebrar”
Primeiro foi a BierTeria. Agora, 2cabeças. Dalmo Marcolino levantou a bola. Foi o primeiro a admitir que o mercado cervejeiro do Rio de Janeiro está estagnado. Bernardo Couto foi mais além e pronunciou a palavra-que-não-se-deve-pronunciar: bolha. “É um momento de bolha e muita gente vai quebrar”, afirma Bernardo, em entrevista à coluna Lupulinário.
No mesmo dia em que esta coluna publicou a matéria “BierTeria completa dois anos ressabiada com os rumos do mercado cervejeiro”, o artigo “A adolescência da cerveja artesanal”, assinado por Bernardo, foi publicado no site Cinema e Cerveja.
Com palavras diferentes, Dalmo e Bernardo disseram as mesmas coisas: que o mercado cervejeiro – pelo menos no Rio de Janeiro – não está maduro, há muitas indefinições e inadimplência. Esta coluna, então, procurou Bernardo para aprofundar a discussão.
“Tem muita gente entrando no mercado pelo oba oba, por só ouvir notícia boa, pelo sonho de ter a empresa própria. Muitos, porém, não vivem só da sua cervejaria. Quem vive só disso está no sufoco. Em geral, muita marca entra no mercado e sai logo. Isso é ruim para todo mundo”, comenta ele.
O começo
Bernardo conta que, quando começou a fazer cerveja em casa, em 2009, não passava pela sua cabeça lançar uma marca no mercado. Isso só foi acontecer três anos depois, “de forma não planejada”, para “aproveitar uma oportunidade” que lhe foi oferecida. Na época, ele trabalhava com produção de vídeo.
Hoje, segundo ele, quem faz três cervejas em casa já quer lançar sua marca, “mesmo sem conhecer os estilos”.
“Muitos perderam o emprego e entraram para o mercado de cerveja. Eu não sou contra, passei por isso também. Mas, não caí de paraquedas. Eu já tinha um networking que trabalhava a meu favor. Atualmente, há a tendência de buscar um trabalho que traga também felicidade e muitos acham que a cerveja pode permitir isso. A questão é que tem muita coisa ruim por trás. Tem muita cilada. Tem satisfação misturada com vaidade. Com R$ 20 mil é possível montar uma cervejaria cigana e colocar um produto na prateleira, mas não é tão simples assim”, observa.
Eventos
Dalmo Marcolino, da BierTeria, afirmou que não vai mais participar de eventos por não serem lucrativos para a cervejaria. Bernardo segue na mesma linha. Há tempos, ele é bem seletivo para onde leva sua 2cabeças. A feira mensal Junta Local é certa, até porque, a cervejaria foi uma das fundadoras desse evento que reúne produtores locais.
Bernardo admite que já teve muito prejuízo com participação em eventos. Na sua opinião, não há espaço para tantos “festivais” como está acontecendo, atualmente, no Rio de Janeiro:
“Os novos entram no mercado pelos eventos, para divulgar a marca. Nós demos uma parada boa porque não faz sentindo participar para não ganhar. Teve até ponto de venda que passou a boicotar cervejaria que participa de tudo quanto é evento. Os bares chegam a perder 30% do seu público cada vez que tem um evento grande acontecendo por perto. Em Belo Horizonte, teve bar quebrando por causa disso. O bar vive de vender cerveja e nós vivemos de vender para o bar e não de fazer eventos. Além disso, no evento, o cervejeiro coloca o preço do seu produto mais baixo do que no bar e isso tem gerado muito desconforto”.
Bernardo concorda com Dalmo que o Mondial de la Bière é um evento que é preciso participar, mesmo sabendo que a cervejaria não vai ganhar dinheiro. O motivo de estar lá é “manter a marca viva na cabeça das pessoas”. Ele admite, porém, que é cansativo lidar com uma quantidade de público tão grande e que, na sua maioria, vai “somente com o objetivo de beber muito”.
Ele comenta que está preocupado pelo fato das doses, este ano, estarem maiores: a mínima passou de 100 ml para 125 ml e a grande é de 300 ml. É verdade que dá mais trabalho para a cervejaria servir a dose menor. Porém, ele acredita que a dose pequena é necessária para permitir que o público experimente maior variedade de cervejas – um dos objetivos de um evento com tantas opções
Sim, ele tem escutado que o Mondial vai se despedir do Rio rumo a São Paulo, mas nada lhe foi oficialmente comunicado até o momento.
(A coluna entrou em contato com os organizadores do evento, por intermédio da sua assessoria de imprensa, para checar essa informação, mas não obteve retorno)
Novidades
Falar em 2cabeças é falar também em experimentação. A cervejaria carioca é conhecida pelo seu gosto por testar receitas usando os mais variados ingredientes e parceiros. Não por acaso, realiza seu próprio festival, o Repense Cerveja. Bernardo acha, porém, que muita gente anda “reinventando a roda”.
“Tudo depende de como se faz a experimentação. Muita coisa faz sentido criar, mas outras são estranhas. Por exemplo. Outro dia, me deparei com uma Vienna IPA. Bem, você pode dizer que fez uma Vienna mais lupulada, mas isso não faz dessa cerveja uma IPA. Outros dizem que fazem IPA, mas não com muito amargor. Então fez outra coisa que não IPA. Nas nossas experiências, sempre partimos de uma base de referência. E tem agora o Estilo Livre. Bem, chama a cerveja pelo estilo base da experimentação. Esse quadro só ajuda a confundir o consumidor”.
E ainda nesse quadro, diante de tantas opções, esse “consumidor confuso” só quer saber de novidade. Segundo Bernardo, os rótulos consolidados das cervejarias são sempre preteridos.
“Não dá para estruturar uma cervejaria em novidades”, afirma.
Coerente com esse pensamento, a 2cabeças vai levar para o Mondial, que acontece de 11 a 15 de outubro, no Pier Mauá, somente duas novidades: a Gelato e a Fênix. Ao todo, serão 12 torneiras, com dez reservadas para as cervejas de linha.
A Gelato foi lançada no Repense Cerveja 2017. Trata-se de uma New England IPA com baunilha e goiaba, feita em parceria com a cervejaria italiana Canediguerra.
Já a Imperial IPA Fênix é uma cerveja “de linha”, mas que muda a lupulagem quando muda o lote de fabricação. Agora, com Citra, Mosaic, Eldorado e Azzaca, a cerveja perdeu seu sabor mais resinoso e ganhou um paladar mais frutado, puxado para o cítrico e o tropical.
Próximos capítulos
“A conjuntura econômica, aliada à violência contribuíram para a construção desse cenário no mercado da cerveja artesanal no Rio. Vivemos um vestibular: muitos vão passar, muitos não vão passar. É um momento de bolha e muita gente vai quebrar. Espero que não seja muito traumático, que os movimentos não sejam radicais. É como eu digo: festa de fechamento de cervejaria não existe, só de abertura. Quando uma fecha, ninguém nota e logo abre outra. Como para todas as coisas, a solução vem com o tempo, tempo para as coisas se organizarem”, afirma Bernardo.
2018
Nesse cenário, a 2cabeças vai seguir pelo próximo ano mantendo a empresa “enxuta”, como diz Bernardo. O grande movimento da cervejaria, segundo ele, foi dado este ano, com a abertura, mês passado, do próprio bar, o Estação 2cabeças, em Botafogo, na Zona Sul do Rio.
Se um bar próprio facilita escoar a produção, a grande vantagem, na opinião de Bernardo, é justamente a ação de branding que é feita, ou seja, o relacionamento da marca com seu público. Nesse contexto, o papo mais próximo e informal com o consumidor, ajuda a tirar dúvidas e apresentar melhor os rótulos – um “tête-à-tête que Bernardo gosta muito.
Leia o artigo “A adolescência da cerveja artesanal”
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