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Sônia Apolinário

A reinvenção de um pioneiro na produção de cerveja artesanal do Rio de Janeiro

Um dos pioneiros da cerveja artesanal no Rio de Janeiro pagou um preço alto justamente por conta do seu pioneirismo. Integrante do grupo que criou a AcervA, Sérgio Fraga partiu, de cara, para ter uma cervejaria. Levou, porém, seis anos para inaugurá-la até que todos os problemas burocráticos fossem solucionados. A Cervejaria Fraga fechou em 2017. Hoje ele está à frente da Lamas Brew Shop, uma franquia de lojas de insumos e equipamentos cervejeiros, no Centro histórico do Rio.

"Fazer cerveja em casa é fácil. Muitos viram ciganos sem ter a noção que vão virar empresários. Nesse momento, 5%, no máximo, do seu tempo, é para fazer cerveja. O resto é gestão, coisas chatas para fazer. As pessoas até perdem o tesão pela cerveja”, comenta ele.

É por isso que Fraga percebe o mercado atual da cerveja artesanal do país, mais precisamente, do Rio de Janeiro, com “muitos entrantes, mas também muitos saintes”. Ao mesmo tempo, acredita que é um segmento que tem “tudo para arrebentar”. Ele fala isso por perceber, por aqui, a repetição de um momento pelo qual o mercado de craft beer norte-americano já passou: começou com os brewpubs, veio o boom das cervejarias locais da década de 70 e a criação de uma bolha que estourou nos anos 90. Agora, segundo ele, o mercado de lá “está legal outra vez, onde entra quem já está maduro”.

Se Fraga é pioneiro, é porque, um dia, experimentou “cerveja de verdade”, no exterior. Foi em 1989, quando fez um “mochilão” pela Europa. Em Londres, entrou pela primeira vez em um pub. Não tinha ideia de qual cerveja pedir. Muito menos que deveria pedir uma Ale e não uma beer. Aceitou as sugestões do funcionário e “pirou”.

Voltou no ano seguinte e pedia dicas para todos que encontrava pela frente de onde poderia beber “cerveja boa”. Começou a caçar livros para estudar sobre cerveja. Até que se deparou com um que ensinava homebrewing.

“Não tinha noção que era possível fazer cerveja em casa. Li tanto o livro que decorei inteiro”, conta.

Já em 2005, em busca de mais aprendizado, foi para Juiz de Fora (MG) fazer um curso. Lá foi colega de turma de Mauro Nogueira e Tiago Dardeau. Acrescente Pedro Ribeiro e Ricardo Rosa e estava formada a primeira “panelinha cervejeira” do Rio de Janeiro.

No ano seguinte, Fraga ganhou de presente de aniversário um kit cervejeiro. Em 2006, a “panelinha” começou a promover encontros cervejeiros (que resultaram na criação da AcervA e, depois, na AcervA Carioca) e a ganhar novos integrantes. O comum, naquele momento, era cada um escolher sua cerveja preferida para tentava copiar a receita. Fã da belga Leffe, Fraga repetiu uma receita de Belgian Golden Ale até acertar o ponto – mais tarde, essa cerveja virou a Fraga Bonde, um sucesso de público.

“Eu acertei a cerveja quando desisti de querer copiar a Leffe. Descobri que a gente pode fazer uma receita um pouco diferente, com o nosso toque pessoal. Se fizer com carinho e respeito às regras dá para reproduzir receitas consagradas”, comenta ele que, naquela época, brassava entre 20 e 40 litros de cerveja por mês.

Ainda em 2006, a “panelinha” realizou o primeiro concurso nacional e a English Pale Ale de Fraga foi a quarta colocada. Sua cerveja participou do concurso sob a alcunha de Cervejaria Fraga porque, segundo o cervejeiro, ele não teve criatividade para escolher outro nome.

No mesmo ano, o irmão de um colega da faculdade de Tecnologia da Informação da Pontifícia Universidade Católica (PUC) teve a brilhante ideia de abrirem uma cervejaria, empolgado com o sucesso que as receitas de Fraga estavam fazendo no embrionário meio cervejeiro carioca.

“Hoje, quando você conhece uma pessoa que faz cerveja em casa, acha normal. Naquela época, achavam que eu era maluco. Quando falei que iria abrir uma cervejaria, não estranharam porque já me achavam maluco, mesmo”, conta Fraga, divertido.

Até então, seu sonho era trabalhar com computador. Mas lá foi ele e três amigos, tornados sócios, criar a cervejaria. Qual a primeira providência? Comprar os equipamentos, é claro. Pena que não havia um lugar para eles serem instalados, quando chegou a época da entrega.

Sim, eles nem tinham o local da fábrica definido quando compraram os equipamentos.

Levaram um ano até chegar a um terreno em Vargem Pequena. Tiveram a oportunidade de se instalar na Zona Portuária, mas Fraga admite que o grupo ficou com medo de construir a fábrica na região, então, bastante degradada. Enquanto isso, pagavam a compra dos equipamentos. Quando finalmente a obra começou, descobriram que a planta teria que ser menor do que imaginavam por questões técnicas. Também descobriram que o local não tinha luz e água. Por fim, descobriram que legalizar uma cervejaria é algo mais trabalhoso do que poderiam imaginar.

Antes mesmo da obra começar, a cervejaria já tinha todo o layout dos futuros rótulos criados por uma agência de marketing. Seis anos depois, quando finalmente foram usar, acharam tudo “careta”.

“Já começamos com um grande prejuízo. Éramos pioneiros, mas caímos do bonde no meio do caminho. Quando inauguramos, os ciganos já tinham chegado ao mercado. Trabalhamos dois anos e meio sem retorno financeiro. Eu adoraria colocar a culpa na crise econômica do país para justificar o fechamento da cervejaria. Mas foram muito mais fatores internos do que externos que causaram isso”, comenta Fraga.

A gota d’água foi em 2015 quando o sócio e padrinho do filho de Fraga morreu. Jorge Litowsky era o amigo da PUC e Fraga se deu conta de que ele era A empresa: toda a tal parte chata, de gestão ficava por conta dele. Fraga era o responsável pela produção da cerveja, desde o desenvolvimento da receita e também pela participação em eventos. Fredy, irmão de Jorge, era o sócio-investidor e Renato Stella, amigo de infância dos irmãos cuidava do marketing. Sobrecarga de trabalho, divergências a respeito dos rumos do negócio e a falta de retorno financeiro levaram a Cervejaria Fraga a fechar.

Quando soube que a Lamas abriria uma franquia no Rio de Janeiro, se interessou. Fraga conta que, com a loja, vislumbrou uma possibilidade de resgatar o que de fato mais lhe agradava, quando começou a produzir cerveja em casa: o contato com as pessoas, as trocas de informação. Na cervejaria, o que mais gostava era quando tinha visita e ele recebia o público.

A Lamas Rio acabou de completar um ano de funcionamento. Sobre o público que vai à loja, Fraga, de 49 anos, percebe ser de uma nova geração de interessados, mas com vistas a ter a cerveja apenas como hobby.

Entre os profissionais do segmento, acredita que falta união para buscar formas de fomentar o aumento da demanda. Na sua opinião, esse aumento passa também pela “educação do consumidor”.

Assim, dois sábados por mês, promove brassagens abertas, na rua, em frente à loja. Foi a forma que encontrou não apenas para chamar a atenção para o local, mas para trocar informações com pessoas interessadas em cerveja artesanal.

Essa produção é degustada durante as aulas do curso que ele dá, no segundo andar da loja, nos outros sábados. Fraga ensina a fazer cerveja na panela para não iniciados. E compartilha suas receitas, sem ciúmes. Para 2019, pretende ampliar o curso para temas mais técnicos, voltados para quem já produz cerveja.

A esposa Simone, que é sommelier, desenvolveu todo um projeto de uma cervejaria cigana para o casal. Fraga, porém, está ressabiado e não quer, pelo menos por enquanto, pensar em voltar a produzir cerveja comercialmente.

Seu olho só brilha quando pensa na possibilidade de montar, na própria loja, um brewpub – lugar não falta, uma vez que ele se instalou em um casarão de três andares.

“Atualmente, vejo muita gente brigando pelo mesmo pedaço de segmento. Todos disputando farelo. Além disso, a Ambev acordou para o mercado de cervejas especiais. Não vislumbro hoje voltar a ter uma fábrica nem ser cigano. Ter um brewpub na loja seria meu sonho. Só não tenho dinheiro para investir”, afirma.

Seja o que vier a fazer, o cervejeiro tem uma decisão tomada: a Cervejaria Fraga não volta ao mercado. Já as receitas, quem sabe.

Fraga Blonde

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