Sundog leva para o Mondial de la Bière cervejas históricas feitas com peiote, sal grosso e vinho de
Cerveja fermentada com levedura parcialmente extraída de areia do deserto do Saara e adjuntos como peiote, bappir, za’atar, vinho de tâmara e sal grosso. Assim são as cervejas que a Sundog levará para o Mondial de la Bière, que será realizado a partir de amanhã (quarta-feira, 4) até domingo, no Pier Mauá (RJ). São quatro novidades. Senta que lá vem história – ou não seria uma matéria sobre a Sundog, uma marca que busca resgatar cervejas históricas.
As mulheres estão no centro de três dos quatro lançamentos. Não simples mulheres, mas deusas e bruxas – ou ditas bruxas.
Ode a Hesat é uma cerveja com origens no Egito. Hesat é a Deusa-Vaca divina. Dizia-se que dos seus seios não escorria leite, mas cerveja. Ela simbolizava a ama-de-leite dos deuses, a criadora de todos os alimentos.
Essa cerveja egípcia foi parcialmente fermentada com levedura extraída do deserto do Saara, camomila egípcia, gengibre, figo e za’atar, uma mistura de ervas, usada como condimento, originária no Oriente Médio. Sergio Fonchaz, um dos sócios da Sundog, tinha em casa uma garrafa com areia que trouxera de uma viagem que fez ao Egito, em 2007. Foi seu sócio e “mago” das receitas, Arthur Chagas, quem se lembrou disso e decidiu extrair a levedura desse “souvenir”.
“Adicionamos areia em extrato de malte pós fervido para extrair a levedura. A camomila é uma flor que nasce na beira do rio Nilo. Por isso, a escolhemos para compor a receita e a incluímos na fervura. O figo seco foi direto para o extrato bem como o za’atar moído, que chega para nós como tempero. O extrato fermentado com a levedura selvagem que fizemos ficou lindo”, conta Sergio.
Arthur explica que Ode a Hesat demorou cinco anos para ser totalmente desenvolvida pela Sundong e a cervejaria contou, para isso, com a ajuda de pesquisadores. Segundo ele, a areia saariana usada foi, precisamente, trazida do templo de Abu Simbel.
Ode a Ninkasi reverencia a antiga deusa sumeriana da cerveja. A Suméria é a mais antiga
civilização conhecida na região histórica do sul da Mesopotâmia, no atual sul do Iraque. Um longo texto, de 1.800 AC, atribuído a um poeta da região, é tido como a descrição de uma das receitas de cervejas mais antigas que se tem conhecimento. Esse texto foi batizado de Hino à Ninkasi e Arthur seguiu a receita à risca. Uma receita “simples”, que exige fermentação com levedura de tâmaras e bappir – pão de cevada da Suméria. Para fazer essa cerveja, Arthur produziu um vinho de tâmara e, claro, um bappir.
“Esta é mais uma cerveja ancestral recuperada e desenvolvida pela Sundog, com a ajuda de pesquisadores ingleses. Ode a Ninkasi foi parcialmente fermentada com leveduras selvagens extraídas de tâmaras do atual Iraque. A cerveja é composta por vinho de tâmaras, além de açafrão, mel e bappir”, explica Arthur.
O resultado das duas Odes, na opinião de Sergio, foi a criação de cervejas “puxadas para o ácido”, sem utilização de elementos artificiais, que ficaram “muito diferentes de tudo” o que se encontra, atualmente, no mercado.
Não satisfeitos com tanto exotismo na produção de uma cerveja, a dupla estuda a possibilidade da Ode a Ninkasi ser bebida de canudo. Isso porque, segundo Sergio, era assim que era consumida, originalmente, além de quente, como se fosse um chimarrão.
“Quente não vamos servir, é claro, mas com canudo, quem sabe?”, brinca ele.
A dupla não se prende a estilos de cerveja. No caso das Odes, eles aceitam “enquadrá-las” na categoria “selvagem”. Já a Black Magic, que tem como base uma Stout, os sundogs preferem chama-la de Dark Ale.
É com ela que a marca presta uma homenagem a mulheres tidas como bruxas e, portanto, queimadas, durante a Inquisição, na Idade Média. Na receita, três ingredientes considerados “mágicos”: borra de café, canela e sal grosso.
“Queríamos uma cerveja escura para simbolizar o luto pela morte dessas mulheres e fomos buscar os elementos considerados mágicos, naquela época. A borra de café permitia adivinhações; o pau de canela era usado por mulheres como colher, durante o preparo dos alimentos, o que fazia com que a comida exalasse um cheiro inebriante e o sal grosso era elemento de proteção mágico”, comenta Sergio.
Na maturação, a Black Magic levou extrato comestível de rosas vermelhas, uma vez que não seria possível utilizar pétalas de rosas reais, como a receita original pedia. A forma que os cervejeiros encontraram para manter o ingrediente foi acrescentar uma pétala da flor, no final do serviço, de uma dose a ser consumida por mulheres.
A Gods IPA pode até parecer um rótulo “enquadrado” da Sundog, mas é melhor não se tirar conclusões precipitadas. Segundo os cervejeiros da marca, trata-se de uma Native American IPA, produzida com elementos sagrados das nações Navajo, Sioux e Cherokee (Agave, Sálvia e Peiote).
Agave é uma planta suculenta, usada para fazer tequila. A sávia não é a que conhecemos,
usada para tempero, mas a branca, usada na fabricação de incenso e óleos essenciais. Peiote é um cacto alucinógeno, então, os cervejeiros usaram semente de peiote, vendida regularmente, sem reservas, em qualquer loja de produtos naturais. Nectar de agave, óleo de sávia e sementes de peiote compõem a receita de Gods IPA.
“Nós fazemos cerveja ao contrário. Nosso ponto de partida é a pesquisa, que nos leva a uma história, que nos inspira a criar a receita. Somos ciganos e nas cervejarias que chegamos para produzir, os cervejeiros adoram porque saem da rotina. É sempre uma surpresa para eles”, afirma Sergio.
“Tudo foi muito curioso e desafiador. Acho que desde conseguir, de fato, obter as leveduras selvagens egípcias da areia e das tâmaras, quanto fazer o vinho. Por mais que eu viesse estudando, já há anos, e me preparando para fazer, foi bem emocionante quando bebi e vi que era vinho de verdade. E não só que era vinho, mas um ótimo vinho. Esse processo todo foi uma experiência muito legal. A gente já tinha feito fogueira e esquentado pedras para a produção da Sahti. Mas acho que o processo da cerveja egípcia e da Suméria foram ainda mais imersivos”, completa Arthur.
Nessa terceira participação da marca no Mondial, pela primeira vez, a Sundog, lançada em 2017, terá um estande próprio – nos outros anos, foi compartilhado com outras cervejarias. Agora, no espaço de nove metros quadrados, serão instaladas 11 torneiras e o público será recebido por seis moças caracterizadas como os rótulos das cervejas - e qualquer pessoa que quiser se maquiar, é só pedir.
Antes do evento, todas tiveram que estudar as histórias das cervejas. Saber conta-las, com animação, faz parte do negócio. Afinal, as pessoas vão no estande da Sundog para beber ou conversar ?
“Temos um imenso prazer em contar as histórias das nossas cervejas. É claro que nem todos estão interessados, mas atraímos um público fiel que viaja junto com a gente. Temos nossos seguidores que vão querer ouvir as histórias, experimentar novos sabores. Ficamos horas conversando com as pessoas e adoramos”, afirma Sergio.
Ele sabe que esse público é pequeno, dentro de um público já segmentado, que é o entusiasta da cerveja artesanal. Para atender as pessoas que preferem “cervejas normais”, Sergio e Arthur criaram a marca Vênus, que segue os estilos à risca. Isso, porém, é outra história.
Ainda sobre o Mondial, de tempos em tempos, no estande da Sundog, será possível ouvir o som de 51 lobos uivando. Foi um presente do Wolf Conservation Center, instituição norte-americana de preservação de lobos que recebe doações da marca, bem como a brasileira Santuário do Caraça, de preservação do lobo guará.
“Eles não souberam explicar porque exatamente 51 lobos, dos cerca de 60 da área de preservação, se reuniram em uma determinada noite, e começaram a uivar. Mas é espetacular e nós queremos esta força ao nosso lado”, comenta Sergio.
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