Abolicionista Antônio Bento tem biografia escrita pelo bisneto
Considerado pelos historiadores como um dos principais abolicionistas brasileiros,
Antônio Bento (1843-1898) ganhou sua primeira biografia. “A Redenção de Antônio Bento” (Reality Books) foi escrita pelo economista e empresário Luiz Antônio Muniz de Souza e Castro e a professora Débora Fiuza de Figueiredo Orsi. Luiz Antônio é bisneto de Antônio Bento.
A obra mostra a saga do advogado e jornalista paulista que, na metade do século XIX, lutou contra a escravidão, o racismo, a falta de assistência aos menos favorecidos, a corrupção no sistema político, a mídia corrompida e a injustiça social.
Os bastidores da organização dos Caifazes, movimento abolicionista paulistano, também são destaque no livro. Antônio Bento assumiu a liderança da ação após a morte do poeta Luiz Gama (1830-1882).
O livro é fruto de um trabalho de dez anos de pesquisa. Contou com informações relatadas pela própria viúva de Antônio Bento, Benedicta Amélia, ao pai do autor do livro, a quem ajudou a criar.
Com 456 páginas, o volume é rico em fotos e documentos da vida do juiz de Atibaia (SP), considerado “o John Brown brasileiro” por um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, Joaquim Nabuco. John Brown (1800-1859) foi um abolicionista norte-americano. Ao todo, foram consultadas mais de 300 referências bibliográficas. Uma fonte importante para o livro foram os textos do jornal abolicionista “A Redempção”. O periódico circulou de 1887 a 1899 e teve Antônio Bento como editor. O jornal foi declarado pela Unesco Patrimônio da Humanidade.
Comunic enviou algumas perguntas para Luiz Antônio:
Qual a principal descoberta feita durante essa pesquisa que durou 10 anos?
LA: De forma cronológica posso adiantar algumas: a descoberta com meu trisavô, Bento Joaquim pai de Antônio Bento, participou da Revolução do Porto em 1820; que Antônio Bento foi voluntário da Guerra do Paraguai em 1865; que uma de sua filhas foi afilhada da Princesa Isabel em 1893; que fazendo um contraponto com a Hospedaria dos Imigrantes fez a Hospedaria do Negros; que pouco antes de falecer enviou toda a documentação sobre a luta contra a escravidão em São Paulo para Joaquim Nabuco, sendo que o portador foi meu avô. Essa são algumas das descobertas.
Há farto material sobre Antônio Bento?
LA: Sim. Temos um pouco mais de 300 referências bibliográficas, levando em conta que a biografia tem 450 páginas, podemos afirmar que temos um farto material. Dentre esses estão depoimentos como o de Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, Coelho Netto, Raul Pompeia, Florestan Fernandes e como prefaciante, o Prof. Dr. Marco Antônio Villa.
Seu bisavô era branco; filho de um médico português com muitas posses. O que o levou a ser defensor do abolicionismo?
LA: Por toda pesquisas que fizemos ficou evidenciado que ele era extremamente humanista, sempre procurando o melhor para o ser humano e, principalmente, generoso e preocupado com as crianças. Fundou a Escola Antônio Bento e logo após a Abolição, criou a Liga dos Operários. Se formou na faculdade de Direito de São Paulo, Largo Francisco - turma 37. Na Colocação de Grau, seu título foi suspenso por ofender um professor escravocrata.
Os heróis negros brasileiros são praticamente anônimos. Como encara isso?
LA: Nossa historiografia, nas últimas décadas, pouco, ou quase nada, se aventurou na buscas de outros tantos negros que lutaram pela liberdade. Os mesmos nomes ficaram sendo explorados todos esses anos, deixando na sombra outros tantos. Não sou um historiador, mas nesse anos todos de pesquisa nos deparamos com essa situação. Hoje percebo um movimento muito mais forte nesse sentido, esse movimento vem sendo puxado, na sua maioria, pela comunidade negra.
Particularmente, o que esse livro representa para você?
LA: Ótima pergunta. Dentre nossas pesquisas encontrei uma publicação do meu bisavô de 13 de maio de 1895 que entre frases destaco a seguinte “Algum espirito estudioso que queira algum dia escrever a história da nossa propaganda irá desfolhar essas coleções e por ellas ver a lucta que tivemos”. Com a colaboração da Débora, posso dizer que, para mim, é um orgulho enorme ter escrito esse biografia. Nossa historiografia tem ótimos historiadores, mas nenhum se interessou, nesse mais de um século, em biografar a vida e obra de Antônio Bento, as publicações sempre foram repetitivas e abordando os mesmos aspectos e com os mesmos equívocos históricos.
Qual o legado de Antônio Bento?
LA: Acho que o grande legado de Antônio Bento foi dedicar a vida em auxílio aos doentes e necessitados e à libertação dos escravos. Sua grande paixão sempre foi a Justiça, entre tantas outras virtudes. As produções acadêmicas e livros históricos deixaram para segundo plano a importância de abolicionistas humanitários como meu bisavô, isso muito bem colocado por Florestan Fernandes: “Somente Antônio Bento perfilha uma diretriz redentorista, condenando amargamente o engolfamento do passado no presente, através (sic) do tratamento discriminativo e preconceituoso do negro e do mulato. Em consequência, o mito floresceu sem contestação, até que os próprios negros ganharam condições materiais e intelectuais para erguer o seu protesto. Um protesto que ficou ignorado pelo meio social ambiente, mas que teve enorme significação histórica, humana e política. De fato, até hoje, constitui a única manifestação autêntica de populismo, de afirmação do povo humilde como gente de sua autoliberação.” Antônio Bento falece em 08 de dezembro de 1898 – quis o destino que essa data, com o tempo, se transformasse em Dia da Justiça.
Como bisneto de Antônio Bento, sua atuação política sempre foi cultuada pela sua família?
LA: Em casa, os quatro irmãos e eu crescemos ouvindo meu pai dizer que aquele parente ilustre dedicara a vida à causa em que acreditava, e que isso, mais do que nos envaidecer, deveria significar que, agora, era a nossa vez: cada um tinha de fazer o seu melhor. Esse dever não nos tornou propriamente heróis, mas somos gratos pelos pais realistas que tivemos, pela forma como ambos nos conduziram e ensinaram a conviver com a celebridade ancestral e, claro, por nos transmitirem genes tão nobres.
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