Guilherme Rossi: os desafios do melhor sommelier de cerveja nacional na busca do título mundial
O primeiro desafio, ele superou com louvor: ao vencer, em maio, o 6º Campeonato Brasileiro de Sommelier de Cerveja, se tornou o melhor sommelier de cerveja do Brasil. Agora, o segundo desafio do paulista Guilherme Rossi, de 39 anos, é ser o melhor do mundo. O World Championship of Beer Sommeliers será realizado nos dias 10 e 11 de setembro, em Munique, na Alemanha.
Os dez melhores colocados na competição brasileira se credenciaram a disputar o título de melhor sommelier de cerveja do mundo. Este ano, a competição internacional ganhou novas regras: será possível fazer as provas falando português (era apenas em inglês ou alemão) e vai ter uma vaga garantida, por língua, na final.
A novidade tem como objetivo balizar as candidaturas em uma competição em que os europeus, principalmente os alemães, “saiam na frente”. Atualmente, o posto de melhor sommelier de cerveja do mundo pertence a uma sommelière alemã. Elisa Raus venceu a 6 ª edição do World Championship of Beer Sommeliers, realizada em Rimini, na Itália, em 2019. Foi a primeira vez que uma mulher venceu a competição que, naquele ano, completou dez anos de sua criação.
Até agora, a melhor posição alcançada pelo Brasil foi em 2017, quando o terceiro melhor sommelier de cerveja do mundo foi Rodrigo Sawamura. Naquele ano, Rossi também participou da competição internacional, bem como em 2015.
Ficou, então, mais fácil para os brasileiros conquistarem o título internacional ? Pode até ser, desde que consigam chegar no local da competição.
“As equipes estrangeiras participam do campeonato até uniformizadas. No Brasil, vamos por conta própria. Estamos tentando obter algum patrocínio, mas até agora não conseguimos. Continuamos prospectando, mas está difícil”, comenta Rossi.
No Brasil, ele participou de todas as edições do campeonato. Até então, sua melhor colocação tinha sido em 2015, quando ficou em segundo lugar. Este ano, ele cogitou não participar. Com uma filhinha de menos de um ano em casa, estava mais envolvido com a vida doméstica do que nunca.
Foi no último dia que fez sua inscrição. Uma vez tomada a decisão de participar, achou por bem estudar e, em casa mesmo, fez várias degustações às cegas, com a ajuda da esposa. Ao mesmo tempo, seguia no trabalho, à frente do seu bar, o The Beer Market, fundado em 2013, em Jundiai (SP), sua cidade natal e onde também mora.
Segundo ele, sorte e equilíbrio emocional são fatores fundamentais para se vencer uma competição como o Campeonato Brasileiro de Sommelier de Cerveja.
“O nervosismo atrapalha muito. Dessa vez, foi minha segunda final. Eu já sabia como funcionava. O fator sorte envolve você acordar bem no dia da competição ou estar mais familiarizado com a cerveja com a qual se deparou para analisar. Como quase não me inscrevi este ano, acho que eu fiz tudo de forma mais relaxada, mais calmo, e talvez isso tenha ajudado a dar certo, no final”, afirma.
Rossi conta que teve certeza que tinha chegado na final quando foram abertas as respostas relacionadas com a etapa de degustação às cegas. Na final, ele foi o único que percebeu que uma das cervejas que deveria “servir” estava com a data de validade vencida – uma pegadinha que derrubou vários competidores. Sentiu um primeiro gostinho de vitória quando o candidato cuja apresentação ele estava considerando impecável não conseguiu completar a prova no tempo determinado.
Sim, ser dono de um bar e estar acostumado ao serviço da cerveja ajuda. Porém, na opinião de Rossi, muitos profissionais nesta posição preferem não correr o risco de entrar em uma competição desse tipo e perder.
“Nem todos os profissionais se submetem a esse crivo. Muitos têm mais a perder do que a ganhar. Uma possível derrota pode ser prejudicial até emocionalmente. Eu participei de todas as edições, até agora, porque gosto de me colocar à prova. Isso me melhora”, comenta.
Advogado por formação, foi atraído para o mundo da cerveja artesanal, primeiro, por conta de um bar que frequentava em Campinas (SP). Quando experimentou pela primeira vez o rótulo belga Leffe Blonde foi, como ele diz, “um caminho sem volta”.
Ao participar de uma edição do Festival Brasileiro de Cerveja, em Blumenau (SC) voltou para casa completamente apaixonado pelo ambiente cervejeiro. Na verdade, bar e festival foram “gatilhos” para ele reviver experiências da época em que tinha entre 10 e 12 anos – a família foi morar na França e ele lembra de quando seu pai bebia cervejas especiais “de cores maravilhosas em cálices lindos”.
Em 2010, Rossi começou a fazer cursos de produção de cerveja. No processo de busca por mais aprendizagem, percebeu que tinha facilidade para fazer análise sensorial e que esse trabalho de sommelieria lhe agradava mais do que a produção de cerveja. Para se aprimorar, arrumou emprego de garçon em um bar especializado. Durante um bom tempo, levou uma “vida dupla”: era advogado de dia e garçon à noite. Nesse período, começou a formatar seu próprio bar.
Ele conta que optou por se instalar em Jundiai porque, na época, a cidade não tinha nenhum estabelecimento voltado para cerveja artesanal. Com a inauguração, ele colocou seu registro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na gaveta, para desespero da sua mãe, “que quase morreu do coração”.
“Hoje ela está orgulhosa”, afirma Rossi.
Quando abriu o bar, ele tinha cinco torneiras de chope e várias geladeiras repletas de muitos rótulos em garrafa, a maioria importados. Hoje, o The Beer Market conta com 23 torneiras e três geladeiras. O preço dos produtos importados fez com que ele migrasse cada vez mais para as marcas nacionais – bem como o consumidor que, na pós pandemia, segundo Rossi, frequenta menos bares e reduziu seu ticket médio de consumo.
Na opinião do sommelier, o maior desafio que ainda encontra para levar público para consumir cerveja artesanal é justificar o preço bem mais caro desse produto, em relação às bebidas da grande indústria.
“Como se trata de uma cerveja mais cara, o consumidor não quer errar na hora de escolher no meio de tantas opções. Nesse momento, o papel do sommelier é dos mais importantes. Nós temos que dar a mão para o cliente e ajuda-lo na escolha. Nem a gente conhece tudo porque são muitos os lançamentos, imagine a dificuldade que é para o consumidor. Nosso papel é deixar o cliente seguro”, afirma Rossi.
Pessoalmente, suas preferências oscilam entre as escolas cervejeiras inglesa e belga. Para o dia a dia, uma Bitter; para acompanhar belas refeições, belgas. Em relação ao consumidor em geral, Rossi entende o sucesso das IPAs como uma “primeira etapa de construção do mercado artesanal”. A segunda etapa, segundo ele, se dá no momento atual quando o público “começa a entender a acidez”.
“Quando a gente chegar na tosta, no torrado, estaremos em um patamar legal de conhecimento do sabor de uma cerveja artesanal”, observa.
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